As fezes dos pombos ainda me incomodam um pouco, não consigo deixar de pisar e fazer carimbos com elas por onde ando, no terraço do prédio na Rua da Conceição. Preferia a praça, no Rink, mas a todo momento era obrigado a dar explicações sobre as gaiolas com os pombos e o porquê de quando em quando soltar um deles para o ar, num movimento meio bandido.
Daqui do alto, o ruído da cidade, calado pelos metros que nos separam, me ensopa menos a alma. E eu posso me concentrar. E pensar no que há de louco no mundo, e nas vagas de desigualdade que não encontram eco algum nas pessoas.
Abro a gaiola, os pássaros mais
agitados que de costume, agarro um dos novos – sempre agressivo, esse aqui, seu
bico me prova o sangue – e empurro goela adentro, papo adentro, mensagem
adentro, os grãos de veneno de ação
rápida.
Meus dedos relaxam, a outra mão
fecha as portas da gaiola para que haja um novo dia amanhã, e meu mensageiro
voa. O pombo voa, morre aos poucos, alguns minutos, ou muitos, qual bucha de balão
caprichosa ao escolher seu lugar de pousar.
Em alguma rua, meu rato-de-asas vai
desabar, vomitando, assustando alguém, mostrando à cidade o denominador comum
mais cru e direto do que temos de igualdade.
Vejo
o flanar das asas, menor, menor, menor, subir, sumir, desço as escadas em busca
das ruas, para voltar amanhã e semear lembretes, semear a morte pela cidade que
nada ouve, nada vê.
Leonardo Nahoum, 19 de março de 2010.
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Onze anos atrás, quando havia recém-começado a dar expediente como desenhista instrucional no CEDERJ (onde depois conquistei minha licenciatura EAD em Letras), fui fisgado por uma chamada para um concurso de microcontos da ABL. Estava entre casamentos, revivendo alguns hábitos adormecidos (como o de me sentir escritor), e logo sentei para produzir algum texto que me permitisse concorrer. Mal terminei a primeira versão, decidido a reduzir as 250 e poucas palavras para o limite de 140 do edital, descobri que eram na verdade... 140 caracteres. Um tweet. Por isso, o texto agora não mais inédito ficou assim, desse tamanho mesmo. (escrevi um conto-tweet pra concorrer, chamado A4, mas ele fica para outra postagem futura).
O plano é que Foie Gras (gosto dele, já viram...) faça parte, no futuro, de um volume de narrativas curtas chamado Amores intestinos. Para os colegas professores, o título (e o texto) podem servir bastante bem, penso, para uma aula sobre Intertextualidade.