quinta-feira, 2 de abril de 2020

Paternidade e a irrelevância súbita da própria vida (parte 1)

Minha primeira "cara" foi de biólogo; fui projeto disso nos meus primeiros anos de adulto-gente, quando comecei a fazer no Fundão, em 1988, três ou quatro semestres que me marcaram pra sempre, seja porque vivi ali amores (sofridos, mornos, com direito a filhos futuros e a revivals-repetição), seja porque ali conheci primeiro um mundo maior do que a provinciana Niterói, seja porque naqueles corredores fiz amizades que ainda perseveram, mesmo que predominantemente pautadas pelos grupos virtuais da vida. Por conta dessa primeira "cara", tive cedo contato com algum aprofundamento de leituras sobre evolução, darwinismo, etc., e daí me vieram brincadeiras, quando fui pai pela primeira vez, em 2000, de falar que "eu agora estava obsoleto para o universo; já havia passado meus genes pra frente - já podia morrer".

Embora me seja algo antipática a questão do lugar de fala como alijador da legitimidade dos outros para discutir o que quer que seja, não sou cego, porém, à sua relevância para a análise das posições e dos discursos. Da mesma forma que penso, por exemplo, que a homossexualidade de um autor deve ser, sim, levada em conta pelo pesquisador que se ocupa dos seus textos (como fiz, na minha tese, com o trabalho de Ganymédes José), acredito também que a paternidade (ou maternidade, não importa; a demiurgia da reprodução), quando chega, proporciona à pessoa um lugar de fala insubstituível, de ordem qualitativa. Ele não é pretexto nem justificativa, porém (quero deixar claro isso), para fazer das pessoas melhores educadores, melhores professores, melhores nada; apenas mudamos por dentro, passamos a entender o mundo por outro ângulo - é como ler Clarice Lispector antes de se apaixonar de verdade e depois.

Pedrinho, meu caçula, faz 14 anos hoje. Fruto muito querido do meu segundo casamento, ele já me fez, como o irmão mais velho, me sentir ultrapassado, superado, daquela forma que os filhos fazem sem que a gente se sinta ameaçado. Uma hora estamos lhes trocando fraldas, ensinando seus primeiros equilíbrios, na outra estamos vendo aqueles seres desenharem melhor que a gente, falarem uma língua desconhecida para nós, terem mais inteligência emocional, afirmar-nos suas individualidades, enfim.



O dia hoje é dele, Pedrusco, ele que, pequerrucho, já me surpreendia, aos sete anos, com a seguinte dedução, brotada no meio de uma conversa com o irmão do meio, Jônatas: "Todo mundo é estrangeiro pra todo mundo".

Aqui vão alguns poemas, então (meus e dele), devidamente desquarentenados por essa publicação, para celebrar esse dia que será de bolo de chocolate caseiro, fondue de queijo a quatro, chamadas virtuais e amor-perseverança.

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SOU UM LEÃO

Não sei voar ou cantar bem.
Mas sou alguém.
Posso não ser amigo de ninguém. Mas sou alguém.
Sendo eu mesmo, ninguém me derrota, ninguém me bota no chão, não sou um rato, sou um leão.

Não tenho medo de nada, pois nada me acertará, nem uma onda de tristeza, nem uma avalanche de escuridão.

Nunca caio, se eu caio, me levanto. Tudo que falam não me importa, sejam suas palavras xingamentos ou críticas, uma palavra ruim, nada vai ser o meu fim.

Pra mim, o fim não existe, só a continuação, sou um tigre, sou um leão.

Pedro Ordoñez Pache de Faria, 19 de maio de 2016

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INSILÊNCIA

(filho é tão bom, mas dói)

(dói por doer)

(só por ser o que é)

(nem é o susto de vocês, que é um coração que não bate mais por dentro e por isso apavora, só por estar fora)

(mas é semente insilente, um dia quente, de latejo-gozo, um jorro que virou gente)

(e a gente, quando sente, vê que a lida de repente nunca mais é só presente)

(é antes os dias deles que a gente perde, os minutos cada vez mais ausentes, os amores que nos tomam a frente)

(filhos vêm para roubar a vida, dando em troca tudo... e a gente nem sente, nem sente...)

Leonardo Nahoum, maio de 2010

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BEM-SONHADO

Dormiu, meu amor de 4 anos...
Dormiu sereno, seguro, amado, quente e calmo...

Dormiu debaixo do meu teto, da minha dor e alma, debaixo das minhas asas zelosas e atentas, do meu riso metade dele, metade do irmão.

Dormiu pra acordar ao meu redor amanhã, pra me assombrar com uma riqueza que nunca tem cara de repetição.

Dormiu meu filho, dormiu e sonha...
...
...e sonha o Bem.

Leonardo Nahoum 22 de maio de 2010

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