sábado, 8 de janeiro de 2022

A doçura da docência

 Uma gripe aterrissada em pleno almoço de Natal me colocou de molho por um bom par de semanas, servindo para me lembrar de que os melhores planos não resistem ao ataque fortuito do imponderável. 

Estava devendo um relato dos meus primeiros dias, semanas, meses, como professor, mas a vida se ocupou de mim e os registros (como as fotos que esquecemos de tirar quando as resenhas e festas são realmente boas) foram ficando adiados. Dias de chuva vão se enfileirando, enquanto acrescento à gripe a recuperação de uma pequena cirurgia - decido escrever.

São Pedro da Aldeia, onde servi com contrato temporário entre 6 de agosto e 16 de dezembro de 2021, foi minha cidade de batismo como docente - lá experimentei minhas primeiras realidades escolares e administrativas, algumas friezas de colegas que não quiseram se dar ao trabalho de travar contato com o "temporário", e a doçura do trabalho de mestre de crianças e jovens. Em São Pedro, abrindo a alma para alunos felizes por estarem tendo naquele ano, pela primeira vez, um professor de língua portuguesa, dividi a aflição de estar começando uma carreira nova: "Não comecei a trabalhar hoje, como vocês podem imaginar pela minha careca e pelos persistentes cabelos brancos - mas sou novo nisso, estou aprendendo a ser professor".

Não sou particularmente babão (embora tenha lá meus gatilhos pavlovianos), mas uma década de trabalho corporativo insatisfatório se derreteu quando percebi o brilho feliz de reconhecimento nos olhos de alguns de meus alunos em minha segunda aula. Não há paga para esse tipo de felicidade. Ou para a emoção de ver o próprio nome preenchido pela primeira vez no campo "Professor:".




Em Rio das Ostras, onde sou efetivo, escolhi uma escola-casa (chama-se Padre José Dilson Dórea) que parece ser um ímã de almas boas. A eles, que me acolheram desde o primeiro minuto como colega-calouro um tanto retardatário na carreira de ensinar, narrei todos os dias os meus encantamentos com o carinho que começava a colher em São Pedro, com meus aluninhos de 7º, 8º e 9º anos. Alguns já me assaltavam com perguntas sobre o ano seguinte, se poderia eu ser seu professor em 2022; outros brincavam com meu nome no quadro, juntando a ele o vermelho amoroso do coração; uma aluna de sétimo ano, em uma aula de Produção Textual que eu sequer começara (haviam se passado apenas 3 minutos, nos quais eu estava colocando minhas coisas sobre a mesa, cumprimentando os alunos e puxando algum assunto de gente-para-gente), saiu-se com uma frontal exaltação sobre a minha "aula muito boa", ao que retruquei: "Mas como assim...? Eu, bom professor? Mas nem fizemos nada ainda?"



- Professor, já dá pra ver que a sua aula é boa. O que mais tem é professor que entra na sala, vira pro quadro, fica escrevendo um monte, nem olha pra gente; depois, senta na mesa e manda a gente copiar, fazer dever. Nem quer saber de nada da gente.

Ontem, falando com minha irmã que mora em Toronto, disse a ela que sei bem dos meus limites; sou um péssimo professor de português ainda. Minha didática é incipiente, ainda não domino meu espaço, ou meu tempo, não sei com segurança que textos usar, quais as melhores abordagens ou exercícios. Sei que tenho muito a melhorar e mora em mim um desejo sincero de fazer isso. Como falei a meus alunos em todas as primeiras aulas que dei, meu propósito é esse: aprender a ser um professor melhor.

Mas, se sou tão cru como profissional de língua portuguesa, acho que posso dizer que não entro em campo igualmente verde como educador. Meus alunos, em especial os de São Pedro da Aldeia, com quem as trocas em sala foram mais intensas (o retorno presencial em Rio das Ostras não foi o esperado), me fizeram crer assim. Em turmas diferentes, ao final do último encontro, recebi elogios espontâneos e mesmo abraços. Dividi bolos e refrigerantes e bombons. E votos de felicidade pela vida que se estendia para além daquelas salas e convívio. Esses 5 meses de estreia docente em 2021 me mostraram o quanto da docência bem sucedida reside na doçura de humanidade que levamos (ou não) para frente daqueles que são humanos como nós - não números, não estatísticas, não nomes num diário.

Sentirei saudades dos meus primeiros alunos de São Pedro da Aldeia, com os quais troquei gestos de amor verdadeiramente freireano. Espero conseguir acompanhar alguns de seus voos por aí, com a ajuda das redes sociais. 

E antevejo com satisfação e orgulho os próximos meses e anos de convívio com a comunidade escolar da qual passei a fazer parte e com a qual quero contribuir com toda a minha imperfeição curiosa: Fernanda, Gabi, Eva, Carol, Rodrigo, Hugo, Thiago, Gabriela, Luciana, Pedro, Marcos César, Vinicius, Alex, Ana, Isa, Juvenal, Teo, Layon, Lourdes, Felipe, Fábios (são três!), Patricia, Orbela, Roberto, Marcão, Jefferson, Cristiano, Bia... Que bom ter me juntado a vocês, que bom ter plantado tantas sementes de amizade assim, aos 51 anos.

Ninguém solta a mão de ninguém... E ninguém deixa o Padre. :-)







6 comentários:

  1. Me levou as lágrimas. Você é um ser humano, verdadeiramente humano. Com certeza será um grande mestre. Parabéns

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  2. Parabéns, Léo! Que texto lindo, me emocionei. Vc é um escritor nato!Eu me identifiquei com a passagem que você citou a sua experiência em São Pedro Da Aldeia, achei perfeito.

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  3. Lindo texto! Reflete suas vivências com carinho, doçura e humildade. Com certeza, encontrará as respostas que precisa.. abraços.

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  4. Não sabia que era sua primeira experiência como docente. Que bom que foi acolhido e deu uma sorte danada de ir para o Lucinda. Os alunos de lá são excepcionais. Espero que sua jornada como professor lhe renda muitas experiências positivas.

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  5. Leo, que relato maravilhoso. Eu estou muito orgulhosa de ter conhecido você. Amei sua escrita envolvente e espero ler mais sobre sua jornada. Caso queira trocar figurinhas pedagógicas, estarei a sua disposição.

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  6. Privilégio ter você em nossa família Padre! Crescemos juntos, sonhamos juntos e ninguém solta a mão de ninguém!! Grata ao Universo por ter nos enviado uma pessoa sensacional.

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