quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Sê valente, sê uma bênção...

Meu ano começou com almoço em família, chester e bacalhau, mas também com uma descoberta com 31-32 anos de atraso (inspirada pelo aniversário do meu avô, que era de primeiro de janeiro de 1922). Ia escrever sobre ela hoje, mas a vida se meteu no meio e a postagem será outra (a tal descoberta fica pra depois).

A vida não tem sido fácil, particularmente de meados de 2017 pra cá, desde o último emprego de carteira assinada. A dinâmica e as complexidades de uma vida a dois são muito mais do que os problemas causados pela assimetria de um casal onde a renda está capenga, com a parte homem mais dono-de-casa que provedor de dinheiros; mas que a falta de grana berra e emascula e abate e dificulta tudo, isso é fato. Concreto. E pesado. Não estou resumindo a dureza dos dias à parte financeira (sou muito falho e difícil em tantos outros setores...), mas não é à toa que há por aí ditados envolvendo portas, dinheiro, amor e janelas.

Temos navegado pelos tempos ruins com muitos sacrifícios feitos, na busca comum de manter o barco (do casamento, da família) à tona, mesmo quando ele pareça, por vezes, estar à deriva. Sou grato pela nossa resiliência - as coisas poderiam estar sendo bem mais difíceis, é preciso dizer. Mas há dias de palavras duras, de desencontros mais doloridos, e esse dia 2 começou assim.

Entrar nos detalhes do espinhaço (a palavra me evoca tanto cumes desafiadores quanto espinhos) seria exposição demais, e esses textos, por muito que eu os queira pessoais, não se devem prestar a esse fim.

Minha esposa, Ana Roza, é dona de uma inteligência emocional perto da qual me sinto raso, e com a qual posso apenas diligentemente tentar apre(e)nder. Já estivemos juntos, já nos separamos, voltamos a nos reunir (com pleonasmo e tudo); e dessa fase 2.0 ela disse uma vez, com propriedade certeira, que se tratava de um amor "vivo, apesar de espancado". Foi numa mensagem de WhatsApp, no ano passado, por conta do aniversário de nosso filho comum:

[19:02, 02/04/2019] Ana Roza: te amo
[19:02, 02/04/2019] Ana Roza: nosso filho tem 13 anos
[19:02, 02/04/2019] Ana Roza: e é muito inteligente
[19:02, 02/04/2019] Ana Roza: e esperto
[19:03, 02/04/2019] Ana Roza: inventa histórias
[19:03, 02/04/2019] Ana Roza: é charmoso
[19:03, 02/04/2019] Ana Roza: gosta de dançar e dança melhor do que nós dois juntos
[19:03, 02/04/2019] Ana Roza: ele é bonito e tem cheirinho de açúcar
[19:04, 02/04/2019] Ana Roza: é muito sensível, apesar de desligado
[19:04, 02/04/2019] Ana Roza: é meio escorregadio mas também muito companheiro
[19:05, 02/04/2019] Ana Roza: ele é a parte viva de um amor
[19:06, 02/04/2019] Ana Roza: um amor vivo
[19:06, 02/04/2019] Ana Roza: apesar de espancado
[19:06, 02/04/2019] Ana Roza: mas vivo
[19:07, 02/04/2019] Ana Roza: e esperando por novos ventos que virão




O dia hoje, como já disse, começou não com afagos no amor vivido, mas com algum espancamento (mea culpa) do qual eu espero que ele se levante, luvas em guarda, passos procurando a proteção das cordas no canto do ringue, e se mostre capaz ainda de mais uns rounds enquanto os novos ventos ainda são brisa fraca, ainda que prometedora...

Se o dia começou com a lembrança de uma flor recusada, ofereço como resposta estas linhas e o poema que se segue, para Ana Roza, escrito para ela em 14 de junho de 2011 (quando ainda faltava quase um ano para terminarmos a casa onde moramos hoje com cães, filhos, livros, discos e - como se vê - um bocado de emoção):


 valente,  uma bênção...


Quando eu toco música (em você)
e seu corpo me acompanha,
(e geme e grita e xinga e morde e beija e arranha)
fazemos eco.

Quando eu verto água pelos olhos
ou por onde não tenho pálpebras
e você também desevapora
em cachoeira espessa por sua flor de rosa,
fazemos eco.

Quando nosso filho dispara perguntas,
e elas são as mesmas que fizemos eu e você,
em nossos anos de criança,
fazemos eco.

Quando sentimos dores tortas,
da estrada que não é a mesma do primeiro livro,
mas também as alegrias novas, dos capítulos que ainda se farão,
fazemos eco.

Quando nos tomarmos frente a Deus, transformados,
seduzidos, avivados, floradas das cores que quisermos,
prontos a entrar na casa que fará sombra para o nosso jardim,
faremos eco... do tanto que sempre tivemos, um pelo outro, de amor.

(Leonardo Nahoum, 14 de junho de 2011)


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